Euforia

Eu estou andando rápido, impaciente, descoordenado por ruas estreitas em busca de algo que abrande esse alvoroço momentâneo. As minhas pupilas se retraem por causa do Sol acintoso que gosta tanto dessa parte do mundo que não vai embora nem à noite. O vento transporta a fumaça pesada e os dois rasgam os cantos dos meus olhos, sinto as lágrimas saírem para contemplar a janela.

Eu entro na primeira livraria que vejo. É pouco aprazível, entrei e não sei por qual motivo, caminho até o balcão, dou a volta e paro em frente à prateleira escassa de substância, examino sem precisão os brasileiros que nunca li, são tantos: Guimarães Rosa, Augusto dos Anjos, Arthur Azevedo, Aloísio de Azevedo, Gonçalves Dias, Josué Montello, Machado de Assis, Olavo Bilac… Nenhuma capa chamativa, tantas palavras, tanto tempo que morreram todo. -Eles falam outro idioma. A atendente é tão velha quanto os produtos oferecidos, mas não consegue terminar a frase:

-Posso ajudar o senhor?

Ela não podia me ajudar, não tinha nenhum Rubem Fonseca lá. Eu já estava na rua de novo, descendo e subindo essa cidade que tem vales e picos e vales e picos e assim por diante, sem fim. A próxima parada foi uma loja de discos, artigos tecnológicos e afins. Eu entrei com o corpo respondendo à minha constante movimentação, suando nas têmporas, os cabelos da frente da orelha estão molhados. Dou atenção especial para a sessão popular, tantos nomes, tantos deles são compostos, tantas cores, tantas fontes coloridas, tantos óculos de Sol falsos, tantas camisas floridas. Interessante ser denominado popular algo que eu nunca ouvi falar.

Não consigo parar, já estou na rua novamente a caminho de outro lugar, outra loja, agora
são instrumentos musicais, baterias, órgãos, cavaquinhos, violões, amplificadores Orange e Marshall, guitarras, baixos, contra baixos, palhetas, trompetes, trombetas, saxofones, flautas, violinos, há instrumentos suspensos sobre as cabeças dos clientes e segurados por cordinhas. Deve ser uma referência ao Ian Curtis.

Um garoto senta-se no banquinho da bateria que está no centro da loja enquanto eu vago
desesperado, sem rumo ou perspectiva de parada. O infeliz começa a tocar sofrivelmente,
tenho vontade de quebrar a cabeça dele, a bateria, a loja, as guitarras, os amplificadores, os vendedores, os dentes do magrelo, os supercílios da namoradinha. Mas eu perdi o controle há muito nesta manhã, eu sou um passageiro de mim mesmo. Saio novamente correndo rua acima, desço rumo à ponte José Sarney. Os flanelinhas ficam apreensivos ao verem alguém correr, o motivo eu só consigo especular. Mas não paro, não tenho tempo, estou suando, estou exausto, mas não consigo parar. Atravesso as duas avenidas sob uma saraivada de buzinas. Eu corro até o meio da ponte. A ponte balança. A ponte treme. A ponte ecoa aos meus pés o peso dos carros, motocicletas e ônibus. Subo ao parapeito da ponte, o vento é forte, lá embaixo mangue. O que é isso um suicídio? Estou sentindo um sabor de aço no pescoço, qual minha intenção contra mim? É a pergunta que se entrelaça em meio às canções, muitas que atravessam meu cérebro agora. Começo a gritar:

-O papa é pop, o papa é pop e o pop não poupa ninguém!

Uma voz vem detrás de mim, ela diz apenas:

-Fernando, sou eu, desce aqui e me dá um abraço?

Eu desço desguarnecido, trêmulo, cansado, suado, enfraquecido. Ela me abraça com força demais, é capaz de segurar meu corpo mais pesado que o seu. Desmaio após beijar sua clavícula.

Eu odeio Engenheiros do Havaí, música brega, romancistas maranhenses que falam de
obviedades. Estou aqui nesse quarto escuro com a cabeça enterrada em meio aos meus
próprios joelhos. Onde está a voz que me equalizou?

texto enviado pelo leitor fernando henrique

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